quinta-feira, 21 de outubro de 2010

JOSUÉ DE CASTRO NA BIBLIOTECA DO GATO









1-4 josué-md-1-2> sexta-feira, 7 de Novembro de 2003
josué-1> notícias do futuro - releituras

JOSUÉ DE CASTRO E A URGÊNCIA DE MUDAR(*)

Josué de Castro voltará a Lisboa neste mês de Agosto. Cidadão do Mundo, ele é hoje a grande voz da esperança que se levanta para falar ao presente dos futuros possíveis.
Desde que em 1951 escreveu «Geopolítica da Fome», o seu pensamento não cessou de evoluir, de acompanhar os acontecimentos e os pressentimentos, de propor cada vez mais interrogações de índole prospectiva.
E quando em Março último, Josué de Castro pronunciou em Lisboa, na Sociedade de Geografia, a sua comunicação sobre «O Futuro Biológico do Homem», não foi surpresa para nós que nela falasse tanto em mutação e em necessidade de mudança, não foi surpresa que um dos mais lúcidos críticos das trágicas carências do mundo contemporâneo olhasse o futuro e dele nos viesse falar, dele exigisse o método, a via, a solução e a salvação.
Entre a explosão demográfica e o sub-desenvolvimento, Josué de Castro vê agora o Terceiro Mundo como a definitiva aposta do homem. Ou mudamos (Josué de Castro fa-lou insistentemente de mutação biológica) ou sucumbimos. O velho adágio «ou cresce, ou morre» é agora mais verdadeiro do que nunca e para o tornar mais nítido, mais óbvio, basta que à palavra «crescer» se acrescentem os seus mais urgentes sinónimos: desenvolver, progredir, evoluir, mudar.
Sem um esforço prospectivo de mentalização (a que Josué de Castro se consagra hoje com a fé do apóstolo, a inteligência do pensador e o rigor do cientista) para uma política planetária, o homem-enquanto-espécie encontrar-se-á no fosso sem saída de que já se anunciam os mais trágicos sintomas em matéria de destruição dos recursos naturais.
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(*) Este texto foi publicado no diário «O Século» (Lisboa) , na rubrica do autor «Etapas para o Ano 2000», em 14/8/1970, e no diário «Notícias da Beira (Moçambique), na rubrica do autor intitulada «Notícias do Futuro» , em 12/8/1970
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AS SALMONELAS QUE MERECEMOS

Autores citados:
André Gide
Josué de Castro
La Palice
Ministro da Qualidade de Vida
Wilhelm Reich


4/Setembro/1984 - Ciência maldita por excelência, a ecologia humana aguardará, na clandestinidade, o tempo de ser ensinada universalmente às futuras gerações como a ciência de todas as ciências humanas.
Não nos lamentemos. Para ser compreendida, estudada, investigada, a ecologia humana - ao estudar as relações entre o ser humano e o Ambiente - precisa mais do que cientistas: precisa de um levantamento popular colectivo dos populações vítimas desse ambiente cada vez mais poluído. O que está, evidentemente, cada vez mais longe de se verificar.
Será esse levantamento a utópica greve geral que os anarquistas do século passado sonharam para derrubar o despotismo?
Por enquanto, temos a educação do consumidor que temos, água chilra dada ao público para o manter enganado e calado.

Sempre que um crime contra a saúde pública é denunciado, lá quando o rei faz anos, nota-se uma restolhada nas hostes telecomandadas das EP's e multinacionais.
Nota-se um quadro sintomatológico muito característico ou conjunto típico de reacções indicadoras do nosso subdesenvolvimento moral e intelectual, da nossa covardia colectiva, do nosso ancestral sadomasoquismo.
Ofende-nos a denúncia mas não nos ofende sermos vítimas daquelas violências que alguém pudesse ter a veleidade em denunciar.
Chama-se então poluição ao que é apenas e há muito tempo, na gíria popular, aquela palavra tão comum começada por M.
Raramente surge alguém, no entanto, com coragem e desassombro para dizer que a poluição mata e que as maiores empresas (EP's) são as que matam mais, melhor e mais impunemente.
Quando surge esse alguém, falando em nome do anónimo publico que é vítima da opressão ambiental e de todo o tecnicismo industrial, quando uma voz se levanta em defesa da saúde e da integridade física de todos nós, eis que um coro de protestos bem pensantes de autoridades bem pensantes em matéria de ambiente se ouve, como se nos tirassem um dente a frio, nos dessem um pontapé no traseiro ou nos pusessem nus diante do espelho.

É este um dos fenómenos de psicologia de massas que Wilhelm Reich inclui no seu conceito de «lepra emocional».
Mas não fica por aqui o sindroma, o quadro patológico originado por qualquer denúncia pública dos crimes contra a vida.
Personalidades consideradas representativas do meio ambiente logo chegarão à ribalta da comunicação social fazendo saber ao país que a denúncia dos crimes contra a sua saúde vai pôr em risco um sector importantíssimo do negócio, quer dizer, a metafórica e metafisicamente chamada «economia nacional», que nunca ninguém soube o que era.
Se de colibacilo nas praias do Estoril se trata, lá vai o turismo por água abaixo e a nossa economia, tão saudável, afunda-se.
Se de salmonelas em Quarteira se fala, aqui d'El Rei que lá matamos a galinha dos ovos de ouro, nossa fonte de divisas, os turistas coitadinhos, etc.
Ah! É que há sempre uma excepção à regra: se morre súbdito britânico, então a conversa é outra e aí sim, vai haver paleio mediático que farte, ninguém já se cala c'u escândalo. Vem primeiro um jornal britânico, levanta o problema que os portugueses não quiseram ou não puderam levantar e aí, sim, já podemos dizer o que mata e esfola gente, sem prejudicar a economia turística. Desde que transcritos do estrangeiro, os crimes contra a saúde, doença e segurança estão mediaticamente autorizados.
Jornalista português passou à categria de transcritor.

Quem não se perfilará, respeitoso, venerador e obrigado, perante argumento de tal peso como é o da «economia nacional»?
Ninguém viu nunca essa senhora mas ela - diz-se - condiciona os nossos estômagos e, como tal, é muito mais importante que as nossas saúdes.
O busílis da questão à vista.
Nesta inversão de valores radica o sistema (que destroi ecossistemas) todo o seu poder despótico sobre o cidadão, a saúde, a segurança, a vida e a liberdade do consumidor.
Cidadão consumidor que, enquanto vítima dos crimes contra a chamada saúde pública, também reage mal, como se sabe, aos alertas e alarmes que em defesa dele cheguem.
Sadomasoquista por herança genética, o português não gosta muito que lhe defendam a saúde, gosta muito mais daqueles que o adoecem. E gosta ainda mais de - consumada a tragédia - tanger suas queridas guitarras nos areais de Alcácer Quibir.
Mas nem só por masoquismo ancestral nos desinteressamos de nós próprios. Desde o berço, o futuro consumidor é educado (condicionado) por escola, família e mass media, a reivindicar a doença, aquilo a que se convencionou chamar saúde.
E isto por uma simples aberração que se tornou nomenclatura corrente: a partir do momento em que se institucionalizou o princípio - consumir saúde é consumir medicamentos -, a partir do momento em que toda a moral médica está do avesso, é evidente que, denunciar a causa produtora de determinados efeitos (doenças) põe tudo em polvorosa, incluindo a editorialista do jornal «A Tarde» que se abespinha (4/Setembro/1984) contra o Ministro da Qualidade de Vida por este ter dito algumas pequenas grandes verdades.

As próprias vítima da poluição não ficam menos irritadas quando o caso vem à primeira página dos jornais, ao serem confrontadas com uma situação incómoda que nos obriga, sem querer, a fica automaticamente responsabilizados, também, pelas salmonelas que papamos.
Pôr em causa um sistema que dá tanta coisa boa e doce para a gente consumir, chateia.
Em polvorosa ficará também o mundo dos negócios que vivem de nos ir matando, pois, como é natural, a interrupção de gravidez chamava-se dantes aborto.
Resumindo: nunca digas ao público que desta água (suja e colibacilenta) não beba, porque o pessoal, mesmo que beba colibacilos não quer, acima de tudo não quer, que lho lembrem, já que isso era chamá-los à responsabilidade de subverter um sistema que mata e adoece.
O pessoal talvez não queira colibacilos, mas lá que anda mais feliz a tomar antibióticos, é um facto.
A julgar pelo editorial «Poluição verbal» do já citado vespertino «A Tarde», as élites também se pelam por colibacilos e salmonelas. Mais: entendem mesmo que um membro do governo não tem nada que andar a contar a verdade ao povo nem a proferir palavras contra os grandes crimes nacionais. Deve comer e calar como todos nós. Mais: avisar disso a população é que é passível de tribunal. Assim o insinuava o vespertino, invertendo a equação e dando razão ao nosso niilismo: temos ou não as salmonelas que merecemos?

Não levem a mal este súbito derrotismo, esta descrença na autodefesa civil do cidadão. Mas lá que é de manifestar certo pessimismo relativamente às funções e limitações da «informação ao consumidor», é verdade.
Enquanto a informação ao consumidor não passar, como até agora, destas festinhas mansas e hipócritas no lombo do sistema biocida, a estas cócegas meigas no sistema que mata por sistema, é quase tão suporífera como o futebol, a televisão em dia de futebol ou mesmo um editorial de «A Tarde».
Estou a pensar a campanha de ecologia humana em que me vejo metido há dezena e meia de anos. Em princípio, nada mais lógico e ecológico: a defesa da saúde e da vida parece ter logo à partida e a priori, a adesão de todos os que prezam a sua saúde e a sua vida, ou seja, todos nós. Claro como água sem salmonelas nem colibacilos .
Só que a coisa não é tão linear como teoricamente poderia e deveria ser. A verdade pura e dura é que ninguém quer saber de si mesmo, por mais que diga que sim.
À medida que o tempo passa, o maluquinho da frente ecológica sente que está a pregar aos peixinhos e a ladrar no deserto.
Não só as vítimas dos crimes contra a saúde pública se estão borrifando em quem os defenda, não só as vítimas ainda ameaçam de tribunal não os carrascos mas as outras vítimas, como ainda se arranja uma carga de sarna, em casa, na rua, no emprego, na política ou lá no raio que o parta, porque adquiriu esta doença vergonhosa e venérea chamada Ecologia Humana.
A tal doença, como dizia o André Gide, de que ninguém diz o nome.

Basta ligar a causa ao efeito, a hepatite ao colibacilo que a produz e pronto, aí temos todo a gente a gritar: heresia, heresia.
Mais científico, mais tecnocrático, mais CEE, mais moderno, mais médico-progressista é noticiar que um senhor cientista A,B ou C anda a investigar, abnegadamente, o vírus X, Y ou Z da misteriosa doença que ataca o povo e que ninguém sabe de onde vem ou mesmo se terá caído do céu por não ter unhas.
Aí, sim, a editorialista do jornal «A Tarde» aplaude a quatro mãos.

É aqui, nesta suprema humilhação, que se pode localizar o horror que sentimos quando nos vemos ao espelho, quando nos dizem que estamos a beber o que dejectámos.
É aqui o ponto crucial em que o inconsciente colectivo se levanta e protesta, fazendo calar as denúncias e partindo os espelhos que o reflectem. Não queremos jamais admitir que uma sociedade tão perfeita, tão tecnológica, tão refinada, tão pràfrentex, tão bonita e a cores, uma sociedade com medicina radioactiva e qualidade de vida, se reduza a este ciclo, a esta cloaca fechada onde se bebe o que se dejecta, como Josué de Castro descreve no livro «O Ciclo do Caranguejo», a este cancro galopante chamado química.
Parte da explicação da revoada que se levanta quando alguém aponta que o rei vai nu - e desta vez por acaso até foi o Ministro da Qualidade de Vida - deve residir nisto. Todo o mundo reage mal quando a verdade lhe é dita, ainda por cima quando a verdade não tem grandeza nem nobreza e até se resume àquela palavra tão portuguesa que começa por M e os tecnocratas chamam poluição.

Tenho de confessar que alguns leitores desta crónica do planeta Terra me lisonjeiam quando me encorajam a continuar «ladrando no deserto». «É preciso que alguém lute pela verdade...» dizem-nos com a melhor das intenções-
Mas com a melhor das intenções, respondo: acho que deveriam ser todos a lutar e não um só. Está tudo errado se o consumidor quer ter em quem delegar as obrigações de se defender.
Se defender a saúde é o primeiro direito e dever de cada um, segundo a Constituição da República, delegar noutros esse direito e esse dever é imoral.
Imoral é também que seja sempre o mesmo a ganir e a ganhar fama de irascível, só porque não engole toda a poluição com M que lhe metem pela boca abaixo, só porque se limita a dizer «basta» aos crimes, que às centenas se continuam a praticar, com o amen de tanta gente dita ecologista.



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1946-2007: MEIO SÉCULO DE LUTA

A despropósito ainda do milho transgénico e dos activistas do estilo verde-eufémia, José Júdice, colunista do jornal «Metro» ( 5 de Setembro de 2007), aproveitou para dizer mal dos ecologistas em geral e para tentar reanimar um morto totalmente morto(1766-1834) Thomas Robert Malthus. E o seu maltusianismo, completamente arrumado e enterrado, diga-se, pelo biologista, sociólogo e político Josué de Castro, em obras que estão hoje mais vivas do que quando foram publicadas, na segunda metade do século passado: Geopolítica da Fome, O Livro Negro da Fome, O Ciclo do Caranguejo e Geografia da Fome.
Ainda não há muito tempo, Luísa Schmidt, socióloga e especialista na área do Ambiente, rendia grandes elogios a este autor, um dos pensadores fundamentais da Idade Moderna. E considerava o livro «Geografia da Fome» o livro que mais a marcou.
Outros, mesmo não sociólogos, poderiam dizer o mesmo.
Josué de Castro foi voz de uma geração. Quando o Terceiro Mundo, a Fome e a Pobreza ainda eram tema de conversa. E de luta. E de combate. E de ódio ao poder que eterniza a miséria.
Que pena o José Júdice, que de vez em quando diz umas coisas acertadas, não se ter lembrado deste autor e das suas obras fundamentais sobre as causas estruturais da fome.
Em vez disso, desenterra conversas antigas, do tempo em que os animais falavam e em que a famosa teoria de Malthus fazia carreira para pôr os ecologistas a ridículo.
Por causa dos transgénicos e dos activistas do verde Eufémia , o poeta não hesitou em reanimar o que já tinha sido definitivamente arrumado por Josué de Castro.
Escreve o articulista:
«A humanidade não morreu à fome porque o progresso da química, da biologia e da agronomia produziu nos últimos 15 anos adubos, pesticidas e novas plantas capazes de alimentar o planeta.»
Curiosamente, não invoca a explosão demográfica que era o grande cavalo de batalha dos malthusianos.
O dilema não é, como José Júdice falaciosamente afirma, entre agricultura química (com pesticidas, adubos químicos, transgénicos e etc) e agricultura biológica.
Qualquer das duas é, a médio e longo prazo, insustentável: o que qualquer ecologista sensato defende é uma «agricultura sustentável» e não uma agricultura «biológica» para elites.
Não vale a pena manter antigas falácias para continuar a indrominar a malta.
Mais adubos químicos, mais pesticidas, mais transgénicos, mais biocombustíveis hão-de significar sempre mais fome. Ponto final parágrafo.

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