segunda-feira, 22 de novembro de 2010

GAYA SEGUNDO JAMES LOVELOCK



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UM LIVRO CHAMADO «GAIA»: BIZARRIAS DO SR.LOVELOCK (*)

[«A Capital», 21-11-1987 ] - Se prosseguir a actual tendência biocida da sociedade industrial e se a crise planetária não encontrar saídas de emergência na prática sistemática das tecnologias apropriadas, a vida humana pode ser facilmente exterminada, mas as formas mais simples de vida, como as algas azuis e algumas bactérias, nada as conseguirá destruir, nem mesmo uma guerra nuclear ou o já famoso buraco de ozono na alta atmosfera da Terra.

Ao sustentar esta tese no livro "Gaia- Uma Nova Visão da Vida na Terra", editado pela Via Óptima do Porto, o cientista norte-americano, colaborador da NASA, sr. J. A. Lovelock, coloca-se na primeira fila dos Panglosses contemporâneos e presta um inestimável serviço às forças da pilhagem e da destruição do Planeta Terra.

Não deixa por isso de ser um livro provocante, este "Gaia", nome que para o autor significa "terra viva" ou "terra-como-um-ser-vivo", evidência que ele se encarrega laboriosa e exaustivamente de demonstrar.

Ao retomar um dos mitos mais interessantes da sabedoria antiga, mito que só faz sentido quando enquadrado numa concepção pan energética, como é por exemplo a do taoísmo chinês, podia parecer que Lovelock vai pôr a ciência (da arrogância) moderna ao serviço da causa ecologista. Muitos acreditaram nisso e os escaparates das livrarias ostentam hoje revistas e livros glosando o tema da "gaia" ou "terra viva".
A própria editora Via Óptima, que lançou a tradução portuguesa, talvez tivesse acreditado também que o livro de Lovelock era um bom serviço prestado à ciência libertadora da sabedoria, na linha das obras já apresentadas, como são as de Buckminster Fuller e Robert
Anton Wilson.

Mas é precisamente esta linha de fronteira subtil entre a ciência inconformista do futuro (exemplificada por Fuller ou Anton Wilson) e a ciência conformista do passado (que um Carl Sagan ilustra), a mais frequente das armadilhas que hoje se coloca mesmo aos mais avisados.

Com um poder de mistificação incomensurável, potencializado por todos os meios informáticos e electrónicos, a ciência do Establishment recupera sistematicamente, com uma minúcia patológica, as ciências livres que a vão sucessivamente contestando (como foi a Ecologia ) ou que desde o princípio do tempo já a contestavam, como é o caso da Bioenergética taoísta.

Tem algo de diabólico esta ciência perversa e estes cientistas peritos no travesti que, como Lovelock, se apresentam em defesa de uma causa ou de uma ideia com o único propósito de a destruir.

Com efeito e visto bem de perto, Lovelock consegue dar o salto por cima e colocar-se, lampeiro, com o saco fornecido de novos argumentos, ao lado dos destruidores profissionais.

Os truques ideológicos utilizados são próprios de um cientista eminente, como são sempre os cientistas na gíria dos “mass media":
a) primeiro, estabelece uma definição do conceito "vida" de tal modo lato que raia o delírio da metafísica ; se não há hierarquias na escala de complexidade da vida, e tanto vale um átomo de micro-plancton como a espécie humana no seu todo, a divina neutralidade científica é respeitada mas a defesa do humano na primeira linha de prioridades é liquidada;
b) em segundo lugar, postulado esse conceito metafísico e abstracto de "vida", Lovelock pode, ao mesmo tempo, representar-nos a sua rábula de amigo da Natureza e "cientista da Ecologia"

Com estas premissas, é fácil depois a ilação: faça a sociedade industrial o que fizer, destrua o que destruir, polua o que poluir, a "vida" permanecerá, ainda que apenas sob as suas formas mais simples e elementares daqui a milhões de anos, talvez tenhamos outra vez o homem a errar sobre o Planeta Terra.
Os Panglosses do nosso tempo , do estilo Lovelock, são macacos gozadores do próximo , como se vê.

Antecipando-se na jogada, o autor diz-se subsidiado nas investigações que fez por uma companhia petrolífera, mas pede logo a seguir desculpa como se alguém o tivesse acusado de alguma coisa.

Claro que J.E. Lovelock, como centenas de outros impolutos cientistas, é independente embora colaborador regular da NASA e não sofreu a mínima pressão de quaisquer petrolíferas, petroquímicas, celuloses, nucleares, químicas, ou etc para investigar assim como investiga em vez de assado.

O sofisma, de tão óbvio, é um pouco vergonhoso para cientista de tanto renome e gabarito. É que teorias científicas como a do sr. Lovelock não precisam de se desviar um ápice para serem conforme o sistema as quer, antes pelo contrário, o sistema quer muitos Lovelock, e por isso os patrocina, os subsidia, permitindo-lhes escreverem livros como este "Gaia", porque esses livros dão cobertura científica às teorias que transmitem a máxima das boas consciências à má consciência das petrolíferas e outras queridas irmãs das sete irmãs.

Melhor do que o sr. Lovelock inventou, ninguém poderia inventar. Ele tem mesmo o sublime descaramento de pôr a ciência moderna a comprovar a verdade dos mitos mais antigos, o que já seria proeza de longo alcance, tal como foi proeza Fritjof Capra ter dedicado a sua vida de esperto filósofo (ex-físico atómico) a demonstrar cientificamente que o
taoísmo está certo...

Mas Lovelock vai muito mais longe do que todos os seus antecessores, como cínico e sofista moderno, na tarefa piedosa de mostrar que a ciência moderna é formidável porque demonstra a verdade das verdades eternas.

Ao falar de "gaia" e ao querer que isso significa "terra viva" ou "terra-como-ser-vivo", ele dá de bandeja o melhor presente aos maiores causadores da actual crise planetária e aos maiores pilhadores dos recursos vivos da Terra.

Diz-lhes , em cifra científica, o que eles há muito queriam ouvir: a terra, como ser vivo, tem mecanismos de homeostase e reequilíbrio que permitem a continuação da vida (em sentido lato, metafísico, abstracto) por mais patifarias e destruições de ozono que os hexafluorcarbonetos todos perpetrem.

Alívio geral no quartel general das multinacionais com o livro de Lovelock: é evidente o serviço prestado por este cientista americano ao sistema que vive de ir matando os ecossistemas. De tal modo evidente que ele, autor, se justifica porque foi subsidiado e por qual das sete irmãs foi subsidiado.

Talvez o episódio do tarefeiro Lovelock não merecesse grande destaque, se não pusesse, nítido, o preto no branco e se não viesse sublinhar a irredutível oposição que existe no seio de uma instituição aparentemente homogénea, a ciência.

Não só há guerra, mas guerra de morte entre duas ciências opostas que debaixo do mesmo nome aparecem. Como exemplo acabado de travesti intelectual, Lovelock merece ser encaixilhado.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, 5 estrelas e meia, foi publicado, com a maior desvergonha, na «Crónica do Planeta Terra», «A Capital», 21-11-1987

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