sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

AFINIDADES ELECTIVAS COM MIGUEL DE UNAMUNO


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1-1 92-02-03-ls> leituras do afonso - sábado, 12 de Abril de 2003-novo word - laranjei> [solta - «Largo - 1745 caracteres]

EVOCAÇÃO DE MANUEL LARANJEIRA, CONSCIÊNCIA DO PESSIMISMO NACIONAL
3-2-1992

[(*) Este texto de Afonso Cautela terá sido publicado no «Diário do Alentejo», suplemento «Largo» , dirigido por Miguel Serrano, em data por determinar ]

Representante do «pessimismo nacional», como ele próprio o designou, Manuel Laranjeira, médico, filósofo e escritor, morreu (suicidou-se) aos 35 anos, em 1912, praticamente inédito. Lentamente, sazonalmente, a edição recupera-o como um caso perdido e um precioso achado, através de três das suas colectâneas, textos reunidos e cremos que póstumos: «Diário», «Prosas Perdidas», «Cartas».
São estes dois últimos títulos que voltam agora em reedição Relógio d'Agua, para nos confrontar de novo com a estranheza deste meio estrangeirado no mundo e em qualquer pátria.
Laranjeira incarna a frustração pessoal de muitos ideais e mitos da civilização cristã ocidental (contra a qual geneticamente se encontrava incompatibilizado desde anteriores reencarnações) mas, curiosamente, e na perspectiva em que o tempo já o colocou, podemos ver hoje que ele reflecte também as mais profundas frustrações de um povo que, sem querer e sem saber, sintonizou.
Mas, tal como Laranjeira, também o povo português vive amarrado a esses fantasmas, sem compreender que a sua pátria está algures, no centro da sabedoria. Como o seu homólogo e contemporâneo de Salamanca, Miguel de Unamuno, logo bem notou, poucos homens há que «tenham juntado a uma inteligência tão clara e penetrante um sentimento tão profundo.
Nele, como em Antero, a cabeça e o coração travaram renhida batalha.»
Como Antero também está na moda, mercê de uma universidade açoriana que se revê separatisticamente no génio desse poeta, humanista e apóstolo, perdoando-lhe o tresloucado acto, temos com Laranjeira o dueto do «pessimismo nacional» que ajuda, como um espelho, ao diagnóstico e à radiografia do nosso destino colectivo.
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(*) Este texto de Afonso Cautela terá sido publicado no «Diário do Alentejo», suplemento «Largo» , dirigido por Miguel Serrano, em data por determinar. Foi republicado no jornal «A Capital», «Leituras de Verão», 12-8-1991
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1-1 - 90-09-04 – ls > leituras do afonso - sábado, 12 de Abril de 2003-novo word - entropia>
RAÍZES DA DECADÊNCIA

O DESESPERO DOS HEDONISTAS (*)

[(**) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», «Livros na Mão», 30-10-1990+-]

4-9-1990

A palavra «entropia» ainda não estava na moda quando Miguel de Unamuno escreveu «Del Sentimiento Tragico de la Vida», que agora aparece em nova tradução portuguesa(*). Em 1953, a editora Educação Nacional, do Porto, publicara a versão de Cruz Malpique, mais literal e académica do que esta que o Círculo de Leitores agora apresentou.
Para o filósofo de Salamanca - também romancista, poeta e dramaturgo - a condição humana já era entendida como maldição e prova, no que andou muito perto dos «pessimistas» como Schopenhauer, Nietzsche, Leopardi ou Kierkegaard e também de muitos que se viram englobados no rótulo de «existencialistas».
Mas de uns e outros ele se demarcou, pela intuição central que o título desta obra particularmente expressa: o «sentido trágico da vida» seria o sentido entrópico da vida que regula todos os sistemas morais do Ocidente, baseados num cego, obstinado e estúpido hedonismo. Essa seria, no Ocidente, a nossa «doença», que levámos séculos a difundir pelo Mundo, como a maior pandemia da História. Perdemos as raízes da sabedoria, que consistia exactamente em saber que o homem é energia e que toda a ciência se deverá resumir, afinal, em conhecer a arte de administrar essa energia.
A nossa «doença» chama-se «ignorância» e daí, dessa ignorância, o sentido trágico e cego do caminhar por este mundo. Ler Miguel de Unamuno e o seu diagóstico, é ler os sintomas exacerbados da Doença que se reconhece, confessa mas não ultrapassa, e isso ainda por preconceito «cultural».
Fala Unamuno dos «Upanishads» mas o seu despeito irritado logo se revela nesta acusação ao monismo das cosmologias extremo-orientais que da Energia sabiam como ninguém mais voltou a saber: «aquilo a que eu aspiro, não é submergir-me no grande todo, na Matéria, ou na Força, infinitas e eternas, ou em Deus. Aquilo a que eu aspiro não é a ser possuído por Deus, mas a possuí-lo, a fazer-me Deus, sem deixar de ser o eu que vos digo ser neste momento. »
A «doença» ocidental, a que Unamuno chama «tragédia», um tanto exageradamente, caracteriza-se por criar essa espécie de catarata ideológica que impede de ver tudo quanto não seja e não ajude ao progresso da própria doença.
Para lá do interesse quase mórbido que a sua fascinante leitura suscita, especialmente aos que gostem de romances policiais, para lá do muito que se aprende e sofre neste testemunho humano de beleza inigualável que é o livro de Unamuno, importa ao militante da Heresia detectar algumas passagens francamente demonstrativas do apego ao erro e da rejeição apriorística das raras janelas terapêuticas que se podem abrir.
Pobres filósofos como este «trágico» Unamuno que, na imensa noite e na imensa doença da «civilização» ocidental, marraram contra as paredes do cárcere, não vendo que eram de vidro..., muitas vezes tendo na mão o amuleto - a intuição central da entropia cósmica - capaz de exorcismar angústias, revoltas, desesperos, mas sem o saber utilizar. Mais: alguns deles, como Unamuno, tiveram o amuleto na mão e deitaram-no fora.

Os filósofos ditos «pessimistas» e, em séculos mais recentes, os «existencialistas», com seus gritos, aflições, insónias e calafrios, são bem a imagem, o sintoma de uma «doença» cada dia mais incurável e de que a Poluição e suas sequelas é apenas um dos sintomas mais ridículos e insignificantes. Mas foi ela, a Poluição, que obrigou algguém a descobrir a palavra Entropia. Valha-nos isso.
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(*) «O Sentimento Trágico da Vida», Miguel de Unamuno, Ed. Círculo de Leitores
(**) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», «Livros na Mão», 30-10-1990+-

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1-2 <> leituras do afonso - sábado, 12 de Abril de 2003-novo word -3060 caracteres

UM POVO DE SUICIDAS (*)
[7-1-1991 ]

(***) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», «Leituras de Verão», 27-8-1990

Criar perspectiva crítica para nos entendermos como povo nacional distinto de outros povos, no contexto da Península Ibérica, é um dos melhores benefícios que se podem colher desta obra (*) de Miguel de Unamuno, que a Assírio & Alvim resolveu, em boa hora, mandar traduzir e publicar.
«Por Terras de Portugal e da Espanha» impunha-se, como um dever patriótico.
Entre os artigos que o célebre catedrático de Salamanca (alma gémea de Teixeira de Pascoaes, como em vida de ambos puderam confirmar) consagra a Portugal, figura aquele que, radicalmente, nos denuncia no nosso mais persistente complexo colectivo, aquele que nos classifica, em estilo de anátema, como «um povo suicida». A mais recente história contemporânea, sem falar da antiga, parece que bem comprova a tese de Unamuno. Haverá quem considere este diagnóstico um estigma demasiado radical, outros dirão que ainda é pouco e outros que não tem nada a ver com a chula minhota ou o corridinho algarvio, tão alegres coitadinhos.
Em qualquer dos casos, acompanhado à guitarra da ditadura ou a toque de pífaro democrático, o nosso destino coincide com a visão realista de Unamuno, queiram ou não os optimistas profissionais, que vivem distribuindo óculos cor-de-rosa ao povo.
O autor de «Sentimento Trágico da Vida» (**) encontrava, em Portugal, como é óbvio, um bocado da sua própria alma, pouco dada a quimeras. E desse encontro ele falou, dessa sintonia deu testemunho. Se os portugueses conseguissem olhar-se com metade da atenção e da lucidez com que Miguel de Unamuno nos psicanalisa, não andaríamos talvez tão perdidinhos de nós próprios, das nossa raízes e da nossa identidade, com os escritores todos da moda à procura da «portugalidade» perdida nos areais marroquinos do desejado.
Ninguém é profeta na sua terra e muito menos analista dos seus próprios defeitos e qualidades. Sempre com o nariz no ar, à procura dos outros - povos, terras e negócios - os portugueses têm tido, no entanto, a sorte de haver quem sobre eles se debruce, com o carinho de um irmão, a severidade de um pai e a lucidez de um mestre. Miguel de Unamuno, significa para nós esse olho clínico que nos ajuda, pela consciência do que não queremos assumir (o gosto da morte), a realizar o nosso próprio diagnóstico.
Em «Por Terras de Portugal e da Espanha» ele examinou-nos e deu o veredicto: nem tudo está perdido, ainda vamos a tempo de nos encontrar. É só questão de olho.
Dizer que é José Bento o responsável pela tradução, notas e prefácio, significa só por si um atestado de qualidade desta edição com que a Assírio & Alvim se honra e, como povo ibérico, nos honra.
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(*) «Por Terras de Portugal e da Espanha», Miguel de Unamuno, tradução de José Bento, ed. Assírio & Alvim
(**) Existem duas edições em português desta obra de Unamuno: uma de 1953, em tradução de Cruz Malpique, na editora Educação Nacional; e uma muito recente, de Artur Guerra, lançada pelo Círculo de Leitores
(***) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», «Leituras de Verão», 27-8-1990

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