sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

KONRAD LORENZ: A IDEOLOGIA DA CIÊNCIA



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A MANIPULAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM E SEUS FILÓSOFOS
O PAPEL DA IDEOLOGIA ECOPOLÍTICA NA VIOLÊNCIA CONTEMPORÂNEA

15/12/1978

Um modesto caderno da Colecção Mini-Ecologia, o número 8 - Movimento ecológico e descolonização cultural, 1975 - permitiu-se dar algumas achegas ao grande tema. Tema que ninguém discute nem gosta de ver discutido. Um dos muitos tabus que inundam a nossa sociedade sem preconceitos...
Se é verdade, como afirma o autor de Politic of Ecology , Peter Weissberg, que não é a ideologia (e a manipulação ideológica) que derrama o petróleo nas oceanos ou extermina espécies animais e vegetais, é verdade que começa e acaba sempre por ser a ideologia que permite, desculpa, justifica, cobre, minimiza, manipula a opinião pública e a torna dócil, em suma, moraliza esse ou qualquer outro delito ambiental.
Não é a ideologia que directamente mata ou pratica os atentados ambientais.
Mas é a ideologia que os justifica, prepara ou, inclusive, lhes chama benefícios para a humanidade e bênçãos divinas, se isso for necessário. Há sempre um ideólogo de serviço à ilharga de um tecnocrata.
As formas mais grosseiras de manipulação do homem pelo homem - a violência em estado puro - não conseguem os resultados que conseguem as formas mais subtis. Mais científicas. Mais sofisticadas. Mais filosóficas.
Os ideólogos da manipulação perfeita começam, exactamente, por abordar corajosamente o tema e por afirmar uma posição crítica (?) em relação aos abusos da manipulação.
Konrad Lorenz é um dos filósofos e cientistas mais argutos da nossa época. Deram-lhe por isso o Prémio Nobel. Subtilmente, ele foi dizendo, escudado na sua reputação de Etólogo, que os homens são animais... E que a agressividade humana é inata, de constituição biofísica, estrutural: pouco ou nada tem a ver com a luta de classes e suas contradições. Com o ambiente violentógeno.
Ainda hoje não nos apercebemos do alcance e consequências que uma filosofia (tão óbvia) contém. E que serviço ideológico esta ciência presta. E que ilações psicopolíticas se podem ir retirando à medida que forem fazendo falta. Deram-lhe logo o Nobel.
Ao deificar os "mass media" e a manipulação de espírito que eles operam, Marshall Mac Luhan foi muito menos fino e subtil: e por isso a sua estrela de profeta do nosso tempo tem ido declinando, enquanto outras sobem.
Herbert Marcuse, por exemplo, prestou muito melhor e mais duradouro serviço ao imperialismo ideológico quando fingiu - sem parecer que fingia - denunciá-lo criticamente, quando entronizou a tese do fatalismo totalitário das democracias, o ciclo fechado do "homem unidimensional», da sociedade totalitária, contrapondo esse fatalismo a um impossibilismo - a Utopia.
Dizendo ao homem que ele estava encerrado, mais fechado ainda o deixava entre o fatalismo e o impossibilismo: Marcuse é afinal o verdadeiro Sade.
Além disso - e já num plano mais visível a olho nu - esgueira-se, subtilmente, da tese marcusiana a variante subtil do que é e não é totalitário, contrapondo-lhe a noção de liberal, democrático.
Enfiando o barrete da tese marcusiana, eis que há o mundo totalitário das hediondas ditaduras e o "mundo livre" das democracias como a americana que, apesar de "fechadas", sempre vão dando uns baldes de plástico nos concursos da TV.
Adolf Portmann vem também, como Konrad Lorenz, da Zoologia e avalia os hábitos humanos observando o comportamento dos animais: Que mal há nisso? Não é afinal e Etologia uma novel ciência, prometedora como todas as novas ciências quando as velhas já estão caducas?
Citando um caso verdadeiramente aberrante de "tecnologias educativas hoje em voga", Adolf Portmann desviando vai do centro a verdadeira questão de fundo.
Escreve ele:
«As concepções unilaterais do nosso processo evolutivo conduzem por vezes a perigosas aberrações da manipulação inicial. Assim, vários adeptos das mais recentes invenções técnicas descobriram que o emprego de aparelhagem moderna permite à criança aprender a ler muito antes do que é habitual. Segundo esta concepção, nunca é demasiado cedo para iniciar a criança no domínio da técnica cultural necessária: a aquisição da cultura. Leio em prospectos que na idade pré-escolar o "programa preparatório da aprendizagem da leitura" por volta dos três a quatro anos, se tornou, uma excelente credencial de capacidade intelectual para o ingresso na escola primária. A aparelhagem era atraente, de modo que os pais não deviam hesitar em enviar os filhos. Eu aconselhá-los-ia antes a hesitar: A técnica cultural atrás referida vai ao encontro da criança muito cedo – quantas vezes demasiado cedo.»

Não direi que Adolf Portmann está a manipular o leitor mas está com certeza a desviá-lo da questão central.
Aberrante não é só - não é principalmente - que tecnocratas da Educação queiram acelerar o ensino da leitura às crianças, servindo-se delas para bater recordes estatísticos.
As tecnologias educativas estão por toda a parte e desde que vários técnicos, revistas, escolas manipularam suficientemente a opinião pública, os audio-visuais (como os testes psicotécnicos) reinam nas escolas. São rotina, voga, moda, progresso. A questão de fundo é porquê o progresso e porque correm todos para ele?
No fundo, o que Portmann critica está conforme esta lógica do progresso: atingir metas, ganhar etapas, conquistar recordes, atingir alvos.
Um filósofo como Portmann está manipulando, na medida em que desfoca o essencial – a questão de fundo – e sobrevaloriza o acessório.
Mas nem só.
Os casos reais de manipulação discricionária - mesmo torcionária - são por Adolf Portmann subtilmente esbatidos fazendo-se crer de que a criança está sujeita - até morrer - ao processo manipulatório que é o processo educativo... Mais uma vez o fatalismo marcusiano como técnica de manipulação filosófica...
As linhas caricaturais com que Aldous Huxley descreve no seu «New Brave World» totalitário as manipulações genéticas e cerebrais, resultam num certo descanso para as manipulações suaves operadas nas nossas democráticas sociedades de bons e brandos costumes.
Até a caricatura serve a ideologia. E serve bem.
F.B. Skinner foi mais explícito e coerente (menos subtil): ele não critica a manipulação, fazendo demagogia com a liberdade. Faz antes, com realismo, da liberdade o mito que ela é, estabelecendo a manipulação como "técnica ao serviço da evolução humana."
Perfeito: é um caso de franqueza filosófica que devemos agradecer. Nem sempre os ideólogos do imperialismo espiritual se comportam de maneira tão evidente, nem mostram tão completamente o jogo.
Nem sequer falta a Skinner o fim de festa funambulesco, o show de toda a boa revista de bulevar.
A Terra da Utopia é para F.B. Skinner o terreno ideal onde vicejará - onde vicejará jamais entenda-se... - a total, totalitária manipulação de muitos por alguns homens-máquinas: os tecnocratas da ideologia (filosofia) manipulatória da manipulação.
Círculo fechado, todos contentes.
Ao lado desta subtil e nobilíssima manipulação de alto nível filosófico- cientifista, positivista, neo-positivista, evolucionista, etc. - bem poucos cuidados já nos deverá dar a - por exemplo - manipulação partidária ou publicitária, de tão grosseiras ambas.
0 futuro é dos subtis.

COMO SAIR DO PESADELO

Se, no conceito de Adolf Portmann, a manipulação é tudo o que condiciona e envolve o indivíduo, então a questão principal não é de minimizar ou subestimar esse condicionamento - inevitável -, esse constrangimento - necessário - mas que meios são colocados à disposição do sujeito para:
compreender até onde e por quem é manipulado;
responder à manipulação;
encontrar os métodos justos de resposta à manipulação, saindo vitorioso dos múltiplos mas ...inevitáveis condicionamentos. Tudo nos condiciona, diria La Palice.
Se o condicionalismo determinante é o sistema cultural - o sistema ideológico ou mitológico - logo se vê que a melhor pedagogia libertadora será a que possibilite uma distanciação possível desses mitos que incorporam a ideologia dominante.
Daí que muitos pensem hoje - e as novas gerações não só o pensaram como o praticaram - que a melhor pedagogia vem de culturas exógenas.
Expondo a cultura vigente a uma contra-prova de culturas exógenas - eis o método higiénico.
Cultura hindú, chinesa, japonesa, budista são algumas das pedagogias que permitem, enquanto termos de comparação, ângulos de análise e visão crítica.
De contrário, as lavagens ao cérebro sucedem-se em cadeia.
E é ver quem mais manipula o outro e pelo outro é manipulado.
Há um ponto decisivo: é o da conversão a um padrão cultural - mitológico - radicalmente diferente.
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(*) Este texto foi publicado na colecção «Mini-ecologia», das edições «Frente Ecológica», num caderno com 100 exemplares de tiragem

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