terça-feira, 24 de julho de 2012

DO ESOTÉRICO AO EXOTÉRICO: A AMBIGUIDADE SURREALISTA

1-2 -63-03-16-S&S> domingo, 27 de Abril de 2003-novo

A APOSTA EXOTÉRICA E A APOSTA ESOTÉRICA: A AMBIGUIDADE SURREALISTA QUE ACEITA AS DUAS

O PITAGORISMO PARA EXEMPLO DESTA AMBIGUIDADE

16-3-1963 (inédito)

A ambiguidade do surrealismo e a desconfiança sistemática com que continua a ser recebido pelos homens inteligentes, explicam-se por ser o surrealismo uma tentativa (a única, nos tempos históricos) de colocar, frente a frente, reconhecendo a validade de ambas, as duas correntes ou orientações do pensamento; a que se designaria de exotérica e a que se diria esotérica.
O surrealismo não defende exclusivamente o esotérico contra o exotérico. Aposta num e noutro, parecem-lhe duas soluções ou saídas para o homem; mas guarda-se o direito de criticar o legada exotérico (humanista), da mesma maneira que os hipertrofiados representantes deste têm, não criticado como seria de esperar de uma posição inteligente de homens inteligentes, mas hostilizado, deturpado ou pura e simplesmente ignorado o legado esotérico.
Por isso a face polémica do surrealismo teria de acentuar a implacabilidade da crítica aos conceitos e preconceitos exotéricos e aos humanismos neles baseados.
Era necessário denunciar muita fraude na pretensa intocabilidade racionalista. Seria necessário denunciar o dogmatismo da razão e muitas das suas intrínsecas contradições. E também a impossibilidade de, só por si, conduzir o homem ao homem.
Assim o fez e continua fazendo o surrealismo. Não para dar como radicalmente improcedente a hipótese ou aposta racionalista-humanista-exotérica, mas para acostumar os homens inteligentes a olhá-la não como única saída mas como termo de uma alternativa ou (talvez melhor) como termo complementar de outro termo a ter em vista e a levar em consideração: o esotérico.
Não se pretende o regresso a nenhuma barbárie antes do pensamento lógico e da ciência. Vivemos num mundo onde, queiramos ou não, a ciência tem direitos e poderes inalienáveis. Mas – dizem os surrealistas – queremos a coexistência pacífica desse e do outro mundo, milenariamente divorciado e obliterado, por culpa do dogmatismo racionalista.
Queremos o esotérico, em absoluta igualdade de direitos com o exotérico, e enquanto hipótese, aposta ou saída possíveis do homem. O homem surrealista não está, afinal, contra todas as tradições mas procura as fontes e origens de uma tradição em que ciência e poesia, profano e sagrado, exotérico e esotérico não se guerreiem mas antes se completem.
O pitagorismo, é um dos pontos mais curiosos a que pode remeter-se essa tradição, (Paracelso, Mesmer e Gurdjieff podiam ser outros três pontos, indicados ao acaso) tradição que o surrealista reclama e valoriza.
Pouco ou nada se sabe de uma tradição esotérica, já pela própria natureza do ensino hermético, já pela hostilidade a que sempre esteve sujeita por parte de universidades, igrejas e estados.
As práticas mágicas e ocultistas foram sistematicamente perseguidas e sabotadas por fanáticos da fé, por fanáticos da política e por fanáticos da ciência.
É justo que uma violenta animosidade se mantenha contra os detentores de qualquer desses poderes e é incrível que o caminho de reabilitação da corrente esotérica seja penoso, atribulado, forçosamente polémico.

RESUMINDO E CONCLUINDO:

em última análise e se bem compreendido (não apenas com boa inteligência mas também de boa fé) o esotérico não deseja expulsar (embora às vezes pareça que sim) o exotérico mas coexistir pacificamente com ele, enquanto o exotérico quis, quer e parece continuar querendo o condomínio exclusivo dos seus conceitos e preconceitos - sabotando, sonegando, destruindo todas as tentativas de reabilitar a tradição esotérica; posto o que o surrealista é forçada a usar uma atitude polémica e até vindicativa, sem que pretenda com isso o domínio do mundo em seu exclusivo proveito, riem a exclusão do legado, hipótese, saída ou aposta racionalista-humanista-exotérica.
É esta ambiguidade que torna o surrealista, aos olhos do fanático da ciência, da lógica ou da razão (resta saber se a ciência, a lógica e a razão não terão fatalmente de conduzir ao fanatismo e ao dogma - sendo este um dos problemas que o surrealista se preocupa em pôr e mais irrita o anti-surrealista), um monstro bifronte.
Mas quem garante a um e a outro que o homem não seja esse monstro 'bifronte” e que para o homem encontrar o homem não seja necessária encontrar-se, primeiro em imagem, nesse monstro de duas cabeças que para o monstro só cabeça (o lógico, o cientista, o filósofo) tão assustador parece?...