quinta-feira, 19 de julho de 2012

SURREALISMO & SURREALISTAS-5

1-6-datas-md-ls- s&s-datas- segunda-feira, 24 de Junho de 2002

SURREALUSITANO(*)

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado, em 6/2/1972, no Jornal «Diário de Coimbra», suplemento literário dirigido por José Matos-Cruz


Da incompreensão que entre nós tem rodeado o surrealismo, podem culpar-se os próprios surrealistas que, em matéria doutrinária e crítica, pouco ou nada fizeram que esclarecesse os menos esclarecidos, que informasse os mal informados. A poesia, só por si, não adquire impulsão no meio público e é preciso alguma «doutrina», por muito que isso custe aos poetas.
Se aqui e agora pouco ou nada se sabe do surrealismo e sua importância na encruzilhada intelectual do nosso tempo, é também porque muito pouco se tem feito por isso. Os críticos olham com desconfiança as manifestações de inspiração surrealista, na Universidade é Sartre o mais longe que se pode ir em matéria de vanguarda, mas tudo isto se compreende, e tudo isto está certo. Pois só fora das academias convém falar de
surrealismo, lembrar quanto ele significa de anti-ordem cultural vigente.
Útil, pois, parece a compilação dos poucas textos sobre surrealismo aparecidos em meio tão hostil, textos que pertençam quer a surrealistas, quer aos abjeccionistas, quer apenas aos que, sem preconceitos prévios, vão para o surrealismo com algo mais do que aparato erudito e minhocas estéticas na cabeça.
O grupo que desde 1947 se encarregou de agir, em português, de acordo com os manifestos surrealistas de André Breton, vinha com vinte anos de atraso actuar num meio histórico com um atraso de duzentos.
Faltando aqui a vitalidade cultural que o surrealismo exige, agiu ele pelo avesso e, em vez de novas crenças, de novas mitologias propostas à criação poética, de uma resoluta aventura para o imaginário, tivemos na melhor das hipóteses uma visão desmistificada das realidades circunjacentes -visão que alguns praticaram sob o nome de abjeccionismo - e pouco mais.
Houve, claro, valores individuais, poetas que deram muito boa conta de si, com obra de inspiração automática. isto é, surrealizante. Mas o movimento, além dessas manifestações individuais, pouca influência exerceu como tendência e força de opinião, influência que, por isso ou apesar disso, importa retomar, de modo a que prossiga o processo de vigilância crítica, nunca antes tentado e necessário para obviar aos escapismos, conformismos e obscurantismos mentais de toda a ordem, novos e velhos academismos das letras, artes e ciências, por aqui tão abundantes ainda em 1966:
Por isso, nestas páginas, tentámos retomar o «fio ao discurso», apanhar outra vez a ponta da Meada Surrealista, ganhar um pouco daquela «esperança desesperada» que nos permita fazer face à vil tristeza imposta.
Seis anos, entretanto, decorreram após a laboração deste trabalho, que, se, por um lado, já necessita de acrescentamentos, nem por isso perdeu actualidade.

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